quinta-feira, julho 28

Marialva

Recordo a primeira frase do último post: «Escrevo porque estou aqui». O início de uma escrita exigida pelo assombro. As palavras apetecidas na necessidade da partilha, como dedos que se entrelaçam e se apertam na súbita e surpreendente contemplação. Estou novamente num desses lugares. José Saramago escreveu que esta maravilha é um «ponto mediano entre o que passou e o que virá». Nessa mediania do que somos hoje, distantes das evocações sublimes de outrora, estas ruínas sugerem-me destroços de uma esperança há muito perdida, mas subitamente recuperada na contemplação de Marialva.
Uma cidadela de lendas e paixões, muito anterior a Portugal mas também local e testemunha da sua defesa brava e intransigente.
Apesar da fantasia lendária que povoa o imaginário histórico deste maravilhoso promontório, nem por um momento me apetece duvidar que o seu nome resultou de uma história de amor entre uma formosa moura e um garboso cavaleiro. A elegância e a sobranceria do castelejo, recolhido pelo azul diáfano do horizonte, as pedras nobres e granulares no papel de zelosas camareiras, fazem deste retiro uma bela alcova para qualquer marialva apaixonado.
Enquanto percorro o sinuoso caminho até ao cimo das ruínas, ladeado pelos muros altos de granito, ocorrem-me pensamentos sobre o sentido actual da defesa da identidade cultural deste país e quem sabe, a imagem plástica destas pedras habilmente sobrepostas que o tempo e os líquenes coloriram, me aconselhou a olhar estes sinais da história pela perspectiva da lenda.
Algo me fez sentir que estes lugares de ontem deveriam ser mantidos pela fantasia do conto. Talvez alivie a amarga sensação do hiato sugerido nas palavras de Saramago.