sábado, setembro 18

Plágio

Francisco estava cansado de fazer o papel de barata tonta, perdido em porquês, em justificações, mas sobretudo farto de representar. Queria tão simplesmente ser ele próprio, egoisticamente assim, morrer e continuar vivo o suficiente até obter algumas certezas. Esclarecer algumas dúvidas que lhe tiravam o sono, dizia ele.
E foi justamente a satisfação da sua curiosidade a causa de um dos maiores embaraços da noite.
A Isabel, sem nunca ter demonstrado qualquer jeito para jogos de pontaria, de um só arremesso conseguiu enfiar-lhe o líquido pela abertura da camisa, como sendo a mais adequada resposta a tão insultuosas dúvidas.
Enquanto solteiros bastar-lhe-ia algum do humor que lhe era habitual, mas na qualidade de casada e rodeada de quem estava teria de ser contundente, para que não restassem dúvidas acerca da sua irrepreensível conduta. Deixou no entanto bem claro a todos os comensais, que tal probidade não resultava por merecimento do seu companheiro.
Enfim, um lamentável e sórdido incidente que apesar de tudo não conseguiu estragar o repasto. Inebriados que todos estavam daquele delicioso néctar chamado Monte Velho, no dia seguinte tudo seria desculpável.
Falava-se ao jantar sobre Oliveira do Hospital, ou alguém se lembrou de o fazer para amenizar o desagradável da situação, com o natural pretexto de justificar à Susana as diferenças desta cidade do interior que tinha tanto de soberba como de ignorante. Susana com ironia acutilante, rapidamente desmascarou o plágio do Francisco, referindo que Virgílio Ferreira tinha escrito exactamente o mesmo sobre Évora na Apariçãocidade absurda e reaccionária, empanturrada de ignorância e soberba”.
Francisco tentou salvar-se dizendo que não tinha lido o livro e como a mentira tem perna curta de imediato se auto-denunciou. Noutra alusão ao livro de Virgílio Ferreira a derrota final surgiu na resposta à pergunta de Susana acerca do máximo de porcos que um Oliveirense poderia ter.
A pergunta insidiosa e a risada geral irritaram o Francisco. No rubor da vergonha, as migas de bacalhau, a tigelada e sobretudo o Monte Velho, foram as únicas razões que o detiveram.
A ideia sobre Oliveira até era verdadeira
O que ele não tinha era o talento de Virgílio Ferreira.

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