terça-feira, setembro 26

Atalhos

Luto todos os dias contra a vontade de me ir embora.
Aqueles momentos de paz e tranquilidade que imagino num lugar distante, parecem-me sempre impossíveis quando pesados os prós e os contras, como numa balança na qual um dos pratos tem a fuga e outro os valores éticos. O ponteiro coloca-se precisamente no meio. Para mal dos meus pecados não é aí que está a virtude.
O meio é sempre um ponto zero para quem, como eu, fez a primeira parte do percurso, escolhendo os caminhos errados, trocando o certo pelo incerto, fazendo atalhos. Como diria a minha saudosa avó, quem se mete por eles mete-se em trabalhos.
Hoje poderá ser o último dia do princípio da minha vida. Ou melhor da primeira parte.
Como quem vai fumar um cigarro no intervalo de um filme.
Momento zero.
Como se isso fosse possível. Fazer um 'scandisk',escolher os 'files' que não interessam e mandar tudo para a 'reciclagem'. Revê-los na esperança de alguma coisa que ainda valha a pena e apagar o que não interessa num 'delete' definitivo e irreversível.
Que bom seria...
Nesta convulsão que me assola a cabeça olho subitamente para a minha mão e reparo que ainda me falta uma passa das doze. Um ritual patético que se faz todos os anos. Não me lembro que onze desejos pedi.
Provavelmente nenhum.
Sobrou uma. Nunca me perdoaria não cumprir uma promessa. Seria aliás impossível.
De repente dou conta que mesmo no pressuposto do tal 'delete', haveria afinal um ficheiro inacessível. Um bip estridente e a mensagem de 'access denied'. Um ficheiro que guardava, solidariedade, paixão, amizade, livros, lágrimas, sofrimento, arrebatamentos, sei lá o que mais...
Desculpa lá avó, mas afinal existem atalhos pelos quais vale arriscar.
Coloco lentamente a última passa na boca.
Não podia ter passado melhor o ano.
Joaquim Nobre

1 comentário:

Anónimo disse...

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