quarta-feira, janeiro 5

A Magia Inconsciente da Memória

Os óculos pendurados no pote observavam-nos lânguidos e preguiçosos, resistentes ao vazio duma noite pouco falada. No silêncio da troca de um CD, as vozes na rua, o bater de uma porta, o crepitar da lareira no compasso da nova escolha musical do Manuel e o pote que continuava a olhar-nos condoído da estranheza de nós.
Copos partidos, deitados, virados, direitos, parados num tempo que não passa. Cristais perecíveis por distracção, mas perenes na vontade de os manter úteis à memória de tempos vividos.
Um relógio amarelecido com arabescos que apontam sempre a mesma hora. Ao lado o pote, os óculos escuros que lhe escondem os olhos no ocre bafiento do barro velho.
O som dedilhado da guitarra que vinha do fundo da sala, propagou um gato para junto de nós. Eriçou-se em curva contra as pernas do Manuel e perto da lareira olhou-nos esquivo e desconfiado ronronando por fim o seu consentimento.
O sossego silencioso da noite e das palavras que não se diziam, deixavam-nos estar por estar na penúltima noite do ano.
Havia pouco para dizer.
O momento dissipava-se sem darmos conta do verdadeiro pretexto: A exposição do Manuel na Casa da Cultura César de Oliveira.
As palavras que não dissemos naquela noite estavam todas nas telas, matizadas em cores indecifráveis da memória.
Vou-me embora. Queres saber o que é que eu acho? Não pintes o bigode ao gato.
Boa exposição Manuel.

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