quarta-feira, dezembro 29

26 de Dezembro de 2004

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem.
[ Bertolt Brecht ]

Por algum motivo, ontem ao caminhar reparei nas folhas arremessadas vorazmente pelo vento, como um colérico valsar da Natureza. A nudez dos plátanos, o cair dos seus últimos e mais resistentes atavios, os súbitos murmúrios da noite pareciam cânticos suaves e piedosos carpindo a tragédia.
A imagem brutal de um filho roubado pelo mar apressou a caminhada. Queria fugir às ondas de comoção, aos cânticos plangentes arrastados pela catástrofe, à ópera do infortúnio, à complacência solidária e a todas as demais aliterações emergentes.
Queria muito ouvir o som da porta fechar-se atrás de mim, na esperança que a clausura me ajudasse ao esquecimento, mas depois da marulhada da desgraça, permaneceu a imagem flutuante da nossa pequenez perante a vida e a Natureza mas acima de tudo o tributo que todos, mais tarde ou mais cedo, lhe devemos.

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