sexta-feira, dezembro 24

25 de Dezembro de 2004

Mais um pedaço de matérias vegetais transformadas num alvo disponível ao registo de coisas que não bastam ser ditas.
Palavras tristes, desenhadas vagarosamente sobre o nascer de um novo dia, uma nova passagem no entretecer dos fios que se apertam, se entrelaçam e se apertam novamente.
Bastava dizer que está um lindo dia.
Bastava falar das paredes que me enclausuram numa dor inexprimível. Que o Natal é uma lâmpada pendurada por um fio, que este frio adstringente de Inverno me impede de escrever coisas que não bastam ser ditas.
Há dois mil anos atrás, poderiam ter evitado este meu tormento, este torpor no encontrar de coisas para escrever, quando olho pela escuridão da noite a intermitência das luzes que se mostram compassivas por esta inércia.
Culpo a Trincadeira, o Aragonês, o Alicante Bouschet e o Cabernet Sauvignon, desta minha ausência, mas a minha mão permanece sóbria e disponível para a insistente espera das palavras que não saem. Porque hoje, para além de um lindo dia, haveria mais coisas para escrever.
Só que as solitárias luzes lá fora, emprestando adornos que se repetem, solicitam outras veleidades, não dando conta que também eu estou sozinho. Na companhia, é certo, de Vivaldi, perturbado de quando em vez pelo crepitar da lareira, do Aragonês, da Trincadeira, inebriado de solidão, longe dos rituais, dos indigentes abrindo os telejornais, da sopa dos pobres, da solidariedade representada e de outras hipocrisias.
Vou correr as persianas.
Não quero mais ver as luzes intermitentes e os Pais Natais pendurados nas varandas.
Fico-me com o Aragonês, a Trincadeira, o Alicante Bouschet e o Cabernet Sauvignon, num subtil, encorpado e aveludado néctar, que me proporciona um doce desalinho.
Que persistam as palavras que me esperam, que o que me apetece tão somente é escrever que hoje esteve um lindo dia.
Agora vou dormir!

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