terça-feira, maio 17

O refúgio das palavras

Há dias para mim que a escrita não passa de um exercício que utilizo com frequência. Deixando fluir vocábulos só com a preocupação da sua coerência semântica, escrevo tentando exprimir ideias sem destino, como se rabiscasse desenhos numa folha para arrumar o pensamento.
Lembro-me de um dia ter ido ver o mar. O que a memória me oferece mais facilmente é o caminho pelas dunas, feito de tábuas de pinho tratadas e envelhecidas por cujas juntas crescia a erva. Cabisbaixo calcorreava o sinuoso caminho quase esquecido do mar. Sem a percepção do cheiro a maresia, aquelas ripas de madeira que rangiam sob os meus pés eram a única cumplicidade do momento. Parei no cimo da última duna, da última tábua do percurso, e já ali, imóvel frente ao imenso azul, entre o crepúsculo rosáceo do poente e a penumbra da minha alma, ouvi finalmente o marulhar das ondas, o cheiro a maresia e o sorriso surgiu após o encantamento. Nem tudo tem que fazer sentido, pensei eu. Na escrita também gosto de calcorrear as palavras sem destino. Imperceptível enquanto escrevo, ele acaba no limiar da sensação por se manifestar naturalmente.

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