quinta-feira, maio 26

O olhar da rã

De um salto a rã coloca-se a um escasso par de metros de mim. Acho que ela me olha, sem no entanto parecer ver-me. Fica por uns instantes. Na fugacidade do momento em que afasto uma mosca, ela já lá não está. O seu mergulho no rio convoca o meu olhar. Vejo a propagação ondeante dos círculos na água e por momentos todo eu me suspendo nessa contemplação.
Penso na vacuidade literária enquanto releio o papel escrito no refúgio da tarde. Convidei a escrita para companhia e recordo o estranho declinar dessa veleidade dada a beleza inspiradora do lugar.
Comodamente instalado na minha “Cormoura” à procura do fresco sereno das águas do Alva, na sombra da folhagem dos salgueiros e com o propósito conseguido de uma solidão desejada, tinha tudo para que a minha ‘BK 77’ deixasse na alvura do papel a mais linda narrativa do vazio. O vazio lá não existe, digo eu aqui e agora, burguesmente instalado frente ao meu PC.
Lá não existe o vazio.
Talvez por isso, recordo agora, a rã tivesse vindo até mim condoída pelo meu olhar perdido de sofrimento.
Talvez por isso a grilhada dos insectos, o ruflo dos pássaros, o murmúrio do rio e das folhas, me pareçam agora resmoneios da Natureza à minha estúpida incapacidade de ver o que me está mais próximo.
Talvez por isso a obstinação dos refúgios na procura das palavras, ou quem sabe encontrar nas palavras o mais redentor dos abrigos.
Pois é Jean-Paul, “as coisas são inteiramente o que parecem – e por trás delas… não há nada.”. Quase me convences.
“Exister c’est être là, simplement”.

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