sexta-feira, junho 24

Ruínas em tons que descansam

Escrevo porque estou aqui.
Envolto em granito com um cheiro a antes de mim e adornos argilosos em tons que descansam.
Contornam pedras e seguram o passado com ferro envelhecido igual ao da cadeira que me suporta, em tiras entrelaçadas como as janelas de uma prisão medieval.
Olho o chão novo da esplanada, bujardado mas sem a paciência de outros tempos.
D. João I, implacável nunca perdoou o Alcaide de Castelo Rodrigo por ter tomado o partido de Castela. A crise dinástica de 1383 deixou marcas por aqui. Hoje seria a punição que estaria invertida e não as armas reais do brasão.
Voltai Conde de Andeiro e Dª. Beatriz, que isto por aqui não está fácil.
Ao contrário dos tempos da sucessão de D. Fernando paira hoje no horizonte a indiferença ou mesmo o desejo da invasão.
Uma pequena fonte de granito em forma de pódio descendente jorra água de surpresa, por momentos, talvez Mestre de Avis se tivesse mexido no túmulo zangado com a minha traição. Distraio a incomodidade momentânea nesta escrita dolorosa, exangue na procura de contar este lugar e recordo a Rota dos Peregrinos.
Passaram aqui os caminhantes para Compostela. Sinto-me hoje mais peregrino do que eles.
De lá de dentro da sala vem o Nocturno de Chopin.
Olho o horizonte, as vinhas, o restolho, a terra lavrada, amarela, ocre, aos quadrados, casas, carros e a merda da fonte de granito que volta a distrair-me… Ia a dizer que… Falar da quietude, desta diferença silenciosa e do tal cheiro a um tempo antes de mim.
Uma forte badalada no sino da igreja, a tal dos Frades que vieram de França. Uma só, meia de uma qualquer hora que aqui pouco importa. Pensar no tempo em Figueira é um desvario.
Porque preciso eu deste silêncio, desta aproximação ao passado?
Dois jovens chegaram e ficaram por pouco. Realmente o que pode atrair aqui os mais novos? Para eles a distância é maior. «Aqui não se passa nada…» ouvi-os dizer. O crepúsculo aproxima-se e o passado fica mais próximo, as lanternas de luz ambarina dão uma ajuda. Para estes jovens, este prelúdio da noite sugere outras coisas. Na sala ainda se ouve o Nocturno de Chopin.
De repente dou conta das ’corcódoas’ num canteiro mesmo ao meu lado. Era assim que em pequeno chamava à casca do pinheiro e que eu usava como material para com a ajuda de um canivete esculpir os meus barquinhos. Neste lugar de ontem, essa recordação levou-me a mão ao bolso e a alma à felicidade. Coisas minhas.
Nove badaladas. Aquela única de há pouco era a meia das oito. Quero ir embora. Este lugar foi perdendo algum encanto. Chegaram pessoas que falam cada vez mais alto em conversas que me afastam daqui. De Salamanca, do preço do gás em Espanha, do Iva mais baixo.
Conde de Andeiro volta que estás perdoado!

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