sexta-feira, setembro 24

A paixão de Francisco


A felicidade é como a beleza de alguns lugares. De tão intensa e arrebatadora, só o é de facto quando não se convive com ela.
Era este o pensamento de Rodrigo quando contemplava uma paisagem de verdes e ocres, contornada a cinza pelos muros que sustêm os socalcos de Sortelha.
Na lassidão que o tempo assume neste lugar e inebriado de tanta beleza, o olhar de Rodrigo repousou no azul celestial.
Sentiu Luísa aproximar-se. Deixou que pensasse não a ter visto. Um abraço e uma palavra sussurrada... Sentado na muralha do castelo, inclinou-se ligeiramente até sentir o seu corpo.
Por momentos as palavras tornaram-se inúteis. Enleados na quietude bela e bucólica daquele retiro as emoções não se exprimiam desse modo. Bastava-lhes estar, e ter a cumplicidade do vento ao cair da tarde.
Por uma estrada, de origem romana ladeada por casas em granito, que emergiam do chão sem quase se dar conta, ambos regressaram à casa Árabe, sítio escolhido como alcova dos seus desejos.
Rodrigo não tirava os olhos da encantadora Luísa. Não esperava que ela falasse ou deixasse escapar um suspiro, mas aguardava um outro qualquer sinal.
Calcorreando as calçadas romanas daquela aldeia medieval, sentia Luísa distante, inebriada pelo efeito do chamon que não resistiu em experimentar. Consentiu que lhe percorresse as linhas do seu corpo belo e sensual, com as mãos, com os olhos...
Reparou no sorriso de Luísa ao entrar na porta da casinha. No umbral estava cinzelado 1373. Um olhar contemplativo e enigmático... Provavelmente estaria a questionar-se das razões que a trouxeram ali. Um lugar inóspito e arrebatador, cheio de referências históricas e paisagens deslumbrantes mas tão distantes de Lisboa.
Que razão teria feito Luisa consenti-lo?... Os seus belos vinte e dois anos, ávidos de vida e exaltações, sugeriam-lhe essa inquietante questão.
Apesar de Luísa oscilar entre o carinho e a indiferença, entre a oferta e a recusa, Rodrigo desejava-a cada vez mais, sobretudo quando se mostrava distante e inatingível.
Entraram na « nossa casita » como ela lhe chamava. O deslumbramento era visível nos seus olhos quando observava e tocava o atavio ancestral espalhado pela casa.
Tinham acabado de fechar a porta, a pouca luz que trespassava a renda das cortinas de linho, levou-o a rodar uma pedra mais saliente que a intuição lhe fez julgar tratar-se de um interruptor.
De repente sem saber de onde, ténues raios de luz incidiam sobre uma espécie de toga em tons arroxeados, que tinha no centro, bordada a cruz da Ordem dos Templários.
Luísa deu conta do fascínio que essa visão provocou em Rodrigo e interpôs-se entre ele e a toga, como se quisesse tornar-se o único motivo dos seus deslumbramentos.
O seu corpo insinuado pela luz, na súbita transparência do vestido, faziam crescer o desejo. Amaram-se por uma noite.
Sortelha tornou-se para Rodrigo numa das suas grandes paixões. Talvez a mais perene.
Capaz de inventar qualquer Luisa nos seus devaneios oníricos.


J.Nobre.

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